Não tinham sido dias fáceis! – pensou Amélia, olhando com nostalgia a foto com mais de vinte anos que lhe tiraram no aeroporto no dia em que aterrou em Lisboa. Colocou-a junto das molduras com fotos dos seus dois filhos, recostou-se no sofá, bebeu um gole de chá e suspirou.
Recém-licenciada e depois de um exigente processo de recrutamento, ela tinha sido admitida num grande Banco Internacional na sua cidade Natal no Brasil. Jovem, dedicada, ambiciosa e muito dinâmica, foram-lhe sendo muito rapidamente atribuídos novos desafios e responsabilidades crescentes num mercado de elevada complexidade e que mudava a uma velocidade vertiginosa.
Ainda hoje não percebe muito bem donde veio o impulso de ir aos RH do Banco procurar oportunidades para trabalhar no estrangeiro, mas a verdade é que poucos meses depois estava de malas aviadas para Portugal, país onde não conhecia ninguém e no qual nunca lhe tinha passado pela cabeça vir a viver.
Felizmente que, por influência da Administração do Bando no Brasil, conseguiu que lhe fosse feito um contrato na filial Portuguesa. As primeiras semanas foram de ambientação. Ao rigor do Inverno, à forma áspera de falar, à movimentação numa cidade, que, embora desconhecida, lhe agradou desde o primeiro dia e, principalmente, ao mercado e forma de trabalhar do Banco.
Embora fosse muito nova, Amélia sabia que era resiliente e que tinha boa capacidade de adaptação. Além disso, vinha habituada a um mercado complexo e sofisticado, pelo que as operações em Portugal lhe pareciam bastante mais simples de fáceis de ultrapassar.
Jovem, bonita, extrovertida e vinda dum país tropical, sentiu de imediato um ambiente de preconceito, desconfiança e hostilidade por parte dos colegas do Banco, especialmente, das do sexo feminino. Isso magoou-a, mas não a preocupou muito. Sabia que com tempo e quando a conhecessem melhor, as inseguranças e invejas tenderiam a desaparecer.
O problema maior foi o Sr. Valério, o gerente da Agência. Simpático, relacional, “bom vivant” achou que Amélia, solteira, vistosa, vinda dum ambiente mais “liberal” e estando sozinha em Lisboa seria uma presa fácil. Recebeu-a duma forma anormalmente (para quem o conhecia) simpática e prestável. Foi extremamente solícito na sua integração na nova função. Prontificou-se a ajudá-la na procura de casa e noutras das inúmeras tarefas que alguém que se muda para um novo país tem de tratar, mesmo que fossem durante o fim de semana. Sempre com justificações profissionais, foi-lhe fazendo repetidos convites para almoçar, para jantar, para o acompanhar em visitas a clientes e até para o acompanhar a eventos e espetáculos noturnos.
Amélia não era ingénua e percebeu que a atenção do Sr. Valério ia para além do mero desvelo profissional e foi gerindo a situação com diplomacia, recusando de forma polida e justificada todos os convites que podia. Mas isso não o parecia desencorajar. Pelo contrário, os convites iam-se repetindo e sendo cada vez mais pessoais e explícitos, chegando ao ponto de lhe sugerir que fosse jantar com clientes importantes dele para “bem da agência”.
Depois de fingir que não percebia algumas insinuações mais “escabrosas”, Amélia viu-se obrigada a enfrentar a situação e a “pôr o Sr Valério no lugar”. A partir daí a situação mudou radicalmente e tudo aquilo que eram elogios e atenções transformou-se em críticas mordazes e ameaças. A sua forma de vestir (que nunca o tinha incomodado) passou a ser um problema. A forma atender os clientes era umas vezes demasiadamente próxima e outras demasiadamente rude. Os seus trabalhos eram escrutinados até encontrar algo para lhe poder chamar à atenção, muitas vezes sem nenhum fundamento real. Sobrevalorizava e dramatizava pequenos erros. Começou, pouco a pouco, a retirar-lhe tarefas até ela não ter trabalho para fazer, acabando por a “convidar” a ficar em casa até “se encontrar uma solução”.
Os tempos eram outros e ela estava numa terra estranha, na qual não tinha família nem muitos amigos. Os colegas do Banco tinham consciência do que se estava a passar, mas consideravam que não era um problema deles e evitavam manifestar-se. Entrou numa espiral psicológica e emocional negativa e teve de fazer uso de toda a sua resiliência para não entrar em depressão e para não voltar ao Brasil.
Ao fim de algumas pressões, cabou por aceitar um acordo de saída e decidiu “partir para outra”. Pouco tempo depois criou o seu próprio negócio, constituiu família e hoje esses dias não são mais do que uma triste e longínqua recordação
Abriu os olhos. O chá tinha esfriado. Olhou a paisagem com Ponte Vasco da Gama ao fundo e concluiu: Foi o destino!
Sintra, 26 de Fevereiro de 2018
José Bancaleiro
Managing Partner
Stanton Chase International – Your Leadership Partner