O grupo era simpático e interessado. Era composto por pequenos comerciantes duma vila de nobres tradições “tauromáquicas” situada a poucos quilómetros de Lisboa, que tinham decidido prescindir duns quantos episódios da telenovela da noite ou duns serões no Café do Bairro para aprenderem a gerir melhor as suas mercearias, talhos, farmácias, restaurantes e outros pequenos negócios locais.
Frequentavam um curso organizado pela associação de comerciantes da região e tinham criado entre eles uma corrente de simpatia e solidariedade, própria de quem partilha experiências e aprende uma linguagem comum.
O esforço que cada um deles colocava nestas horas tiradas a um merecido descanso estava, na opinião de muitos deles, a dar bons resultados. Já tinham aprendido a valorizar o planeamento das actividades, a perceber a classificação contabilística de alguns documentos e a importância da fazer um contrato de trabalho bem fundamentado. Estavam agora a aprender algo que não sabiam que era possível aprender, mas que todos sabiam de enorme valor: Como liderar os seus colaboradores.
O tema era estimulante e cativava com facilidade o interesse dos participantes no curso. Falar de temas como a comunicação, as relações interpessoais ou a motivação de equipas de trabalho a pessoas que tinham anos de experiência de relacionamento diário com clientes e de liderança de equipas, era tudo menos difícil.
José, o formador, embora jovem, juntava uma prática na gestão de pessoas em grandes empresas nacionais e multinacionais com um enorme prazer na “facilitação” de acções de formação, especialmente quando entre os participantes se encontravam pessoas para quem o que aprendiam tinha aplicação prática quase imediata.
O módulo tinha corrido muito bem até aí. Os participantes falavam das suas dificuldades na gestão dos seus empregados e das particularidades dos seus negócios, que todos consideravam como sendo únicas. Norberto aproveitava estes testemunhos para gerar o debate, realçando os aspectos relevantes e orientando a aprendizagem.
O ambiente aqueceu ao rubro quanto estalou o debate sobre se o dinheiro era ou não um fator de motivação. O jovem monitor, aproveitando os argumentos dos intervenientes, teorizava sobre a existência de recompensas intrínsecas e extrínsecas, explicando que as primeiras vinham do prazer que se tira de completar com sucesso uma tarefa ou alcançar um objectivo, enquanto as segundas eram provenientes do reconhecimento ou recompensa dada outrém. Defendia, entusiasticamente, que o que verdadeiramente gerava a motivação dos empregados e os fazia trabalhar com mais energia e criatividade eram aspectos ligados às tarefas desempenhadas e ao prazer que delas conseguiam retirar.
Amélia, uma das participantes mais simpáticas e ativas, que nesse dia tinha estado bastante calada, manifestou-se de forma enfática: “Ó “Sotor”, não é bem assim!” O “Sotor” insistiu e continuou com a mesma convicção. Mostrou a diferença entre motivar e incentivar, demonstrando do carácter consistente e continuado do primeiro conceito e a pouca duração do segundo. Um aumento da retribuição ou um prémio em dinheiro podem “incentivar” um aumento de produtividade, mas apenas de forma passageira. Contudo, defendia ele, só tarefas mais exigentes e desafiantes, uma maior autonomia no seu desempenho ou a contribuição para um fim comum geram um aumento de energia de forma consistente e continuada.
Mas Amélia, não pareceu nada convencida com a argumentação do Norberto e repetiu num tom ainda mais incrédulo “Ó “Sotor”, olhe que não é bem assim!” Norberto, tentando uma via para contornar a contestação pouco habitual de Amélia, orientou a sua resposta para a diferença entre satisfação e motivação, explicando que eram conceitos diferentes e ilustrando essa diferença. Satisfeito é um colaborador que tem a camisola da empresa vestida, enquanto motivado é aquele que a tem vestida e suada.
Mas a Amélia não de deu por convencida e repetiu: “ò Sotor, não é bem assim, pelo menos nalguns casos”, teimou Amélia. Tudo bem, Amélia, repetiu o formador. Mesmo aceitando que existam diferenças na forma de motivar cada um dos nossos colaboradores, devido às diferenças de interesses, senioridade e personalidade de cada pessoa, a verdade é que existem estudos que provam que, em termos gerais, a melhor forma de motivar uma pessoa é enriquecer a sua função com tarefas mais nobres, é delegar-lhe maiores responsabilidades e atribuir-lhe novos desafios.
A linguagem corporal e facial de Amélia, indicavam que ela parecia estar vencida mas não convencida, pelo que não resistiu a retorquir: “Tudo bem, Sotor, essas teorias podem aplicar-se noutros sectores, mas no meu não se aplicam.” Já um pouco incomodado, Norberto respondeu: “Amélia, as teorias da liderança e motivação partem da natureza humana que, como bem sabe, não varia de empresa para empresa, mas, de qualquer forma, diga-nos lá qual é o seu sector”.
“Eu tenho uma agência funerária! – respondeu Amélia – O “Sotor” há-de explicar que raio de satisfação ou motivação é que os meus colaboradores conseguem retirar das suas tarefas”.
Sintra, 5 de Maio de 2006
NorbertoBancaleiro
Director Central de Recursos Humanos do Banco Finantia,
Coordenador dos MBAs Executivos da UAL