“Tenho de o informar duma coisa, Doutor – disse Elvira em tom confidente – ando há três anos a ser tratada a uma depressão recorrente no hospital Júlio de Matos. Todos os dias tenho de tomar doze comprimidos, pelo que não estranhe se por vezes lhe parecer um pouco alheada.”
O “Doutor” era Norberto, admitido há poucas semanas no Grupo Distrex como Diretor de Recursos Humanos. Composta por várias empresas ligadas a diferentes tipos de distribuição, a Distrex estava em fase de grande expansão. Compreendeu durante o processo de seleção que, embora isto não fosse claro que os seus dirigentes, a empresa necessitava urgentemente de alguém com capacidade para transformar a “Secção de Pessoal” num Departamento de Recursos Humanos que funcionasse como um parceiro ativo no processo de crescimento acelerado que se antevia. Parecera-lhe um bom desafio.
Encontrou uma equipa “enxuta”, coesa e competente, embora os seus membros tivessem a ideia que a função do departamento era apenas elaborar contratos de trabalho, registar as faltas e garantir que os salários eram pagos a tempo e horas. O seu primeiro desafio foi alargar horizontes. Não foi fácil, mas foi-os envolvendo nos projetos de criação de novas ofertas e ao fim de alguns meses todos reconheciam que o departamento estava diferente e que estava a contribuir para uma organização em que as pessoas se sentiam e trabalhavam melhor.
A Elvira integrava formalmente o Departamento, mas não se sentia parte da equipa. Transmontana de origem e com baixa escolaridade, fora contratada há cerca de quinze anos para ser responsável por uma pequena cozinha e preparar as refeições para os colaboradores da Distrex. Alguns anos depois, a empresa mudou de instalações e a Administração achou que não se justificava a existência duma cozinha, pelo que, não a conseguindo despedir, atribuiu-lhe a responsabilidade por abastecer e gerir algumas máquinas de cafés e “snaks” existentes na Empresa. O trabalho não era muito e passava a maior parte do dia a contar as moedas.
Há medida que o tempo ia passando, ia conhecendo melhor a Elvira e os seus problemas. Criada numa pequena aldeia, viera para “Lisboa” aos 15 anos para casa dum familiar. Começou a trabalhar cedo e cedo ganhou a paixão pela cozinha. A entrada na Distrex foi um sonho tornado realidade. Poder fazer com autonomia e boas condições o que gostava era o que há muito ambicionava. Quando a sua cozinha fechou o choque foi brutal. Teve esperança que a situação se alterasse, mas isso não aconteceu. Tentou adaptar-se, mas não conseguiu. Só sabia trabalhar e por isso durante meses e anos foi-se rotineiramente arrastando. Cada dia era mais difícil e os problemas de saúde foram surgindo e agravando.
Norberto acreditava que todas as pessoas têm talento e capacidade de evolução pelo que decidiu investir na recuperação e aproveitamento da Elvira. Teve uma longa conversa com ela. Grande parte dela foi, pacientemente, escutar as suas queixas e lamentos acumulados em mais de quinze anos e que a tinham levado a várias baixas e a um estado de depressão. Perguntou-lhe depois se tinha ideias como poderia sentir-se mais útil. Ela defendeu intransigentemente que não tinha habilitações nem cabeça para outras tarefas. “Tratar das máquinas já lhe dava muito que fazer”! Norberto, aceitou a sua opinião, mas foi-lhe dizendo que voltariam a falar se ele encontrasse algo que ela pudesse fazer, até porque isso ajudá-la-ia a passar o tempo e seria bom para a sua saúde.
No seu departamento estabeleceu o hábito das reuniões semanais e de criar equipas para os projetos mais importantes. Estas reuniões serviam, entre outros propósitos, para partilha e debate de ideias, contribuindo para o envolvimento e o compromisso de todos. Deu uma especial atenção à Elvira, aproveitando todas as oportunidades para a fazer sentir como um membro da equipa. Sentia que isso era importante para ela e começou a notar que ela estava mais alegre e conversadora.
Poucos meses depois da sua admissão, Elvira disse-lhe com um sorriso de orelha a orelha: “Ai, Doutor, estou tão feliz. Fui ontem a uma consulta e o meu médico tirou-me quatro comprimidos. Diz que eu estou muito melhor. A minha filha já me tinha dito o mesmo”.
Algumas semanas depois, Norberto decidiu reorganizar o sistema de arquivo e integrou-a na equipa que indigitada para o fazer. Ela começou por achar estranho e protestar argumentando com a sua falta de habilitações, mas perante a sua insistência e incentivo, acabou por aceitar. Nos dias que se seguiram era notória a sua alegria e interesse sempre que reuniam. Norberto constatou que Elvira podia ter poucos hábitos de trabalho intelectual, mas aprendia rapidamente e tinha boas ideias.
Quando o novo sistema estava organizado, Norberto pediu-lhe que ela ficasse responsável pelo arquivo dos documentos. Ela respondeu que não conseguia, mas, perante a promessa de apoio de toda a equipa, ela aceitou. Nas semanas seguintes notava-se a preocupação e o nível de empenho da Elvira nas novas tarefas. O efeito nela era visível. Emagreceu um pouco, passou a arranjar-se melhor e estava mais alegre e participativa.
Ai, Doutor – disse-lhe Elvira, de novo, alguns meses depois – venho tão feliz. Na consulta de ontem o meu médico tirou-me mais quatro comprimidos. Agora só tomo quatro, Doutor, quatro.
Os meses foram passando e os projetos foram-se sucedendo. A participação da Elvira foi-se, naturalmente, alargando a outras tarefas, nomeadamente administrativas. Não estranhou, por isso, quando cerca de um ano após a sua entrada na Distrex, a Elvira lhe disse:
Ai, Doutor, nem acredito. O meu médico tirou-me os comprimidos todos. Diz que já não preciso deles. Sinto-me tão feliz!
Sintra, 24 de Setembro de 2016
José Bancaleiro
Managing Partner
Stanton Chase International – Your Leadership Partner