Não o reconheceu, mas reparou que ele cambaleava como se atravessasse uma grande ventania. Provavelmente, fruto duma tarde bem “regada”.
Ainda os fumos da revolução de abril andavam no ar quando José foi admitido na Cigar, EP, uma empresa pública criada há poucos anos com a nacionalização de duas empresas privadas que concorriam aguerridamente entre si.
Estava a ser um “casamento” complicado. Após alguns anos, a empresa tinha-se modernizado em termos de instalações e de equipamentos e começava a dar sinais claros de alguns dos “defeitos tradicionais” das EP: gestão condicionada politicamente, nomeações pela cor do cartão do partido, o engordar da estrutura, incremento dos benefícios sociais, absentismo elevado, uma forte influência sindical, mas também uma indesmentível melhoria das condições de trabalho e de vida dos seus “trabalhadores”.
A gestão de pessoas é sempre contextual e por isso o papel da direção de recursos humanos, da qual José era um jovem em ascenção, era adaptado à época que se vivia e às necessidades da empresa. Passava essencialmente pela estruturação dos processos básicos de RH, pela consolidação duma cultura organizacional única nas duas fábricas e por uma grande preocupação com a criação de condições de satisfação e conforto para os colaboradores da empresa.
Foi neste contexto que José propôs e foi encarregado de organizar o primeiro “Dia Cigar”, um evento de um dia em ambiente de convívio e celebração para o maior número de colaboradores da empresa, com o objetivo de eles se conhecerem e criarem laços que permitissem uma comunicação mais fácil, uma maior coesão e um sentimento de pertença e orgulho na sua empresa.
Tratava-se dum evento completamente inovador à época (início da década de 1980), arriscado, porque se desconhecia a adesão por parte dos trabalhadores e dos seus representantes sindicais, e difícil de organizar, porque não era fácil encontrar um local para reunir entre 1000 e 1500 pessoas com espaço para animação e celebração.
Criada uma equipa para este efeito, começou-se por definir os objetivos e o “programa de festas”, sendo dada especial importância à componente “recreativa” e a uma cerimónia de celebração de antiguidade, em que os colaboradores mais antigos vindos de ambas as organizações receberiam uma prenda e uma placa comemorativa.
Depois, passou-se à fase de procura dum local adequado a cerca de 1200 pessoas que servisse os objetivos definidos. Depois de uns quantos dias a visitar quintas, a equipa optou pela Casa do Campino em Santarém, local que dava garantia de responder ao número de participantes esperado e que permitia algumas atividades recreativas ligadas às artes enquestres e tauromáquicas.
No dia do evento, um sábado ensolarado, mais de uma vintena de autocarros saíram das duas fábricas e dirigiram-se com os colaboradores para Santarém. À chegada estava preparado um “mata-bicho” tradicional, a que se seguiu a cerimónia de celebração da antiguidade. Depois realizou-se uma garraiada que serviu para distender algumas tensões (complementada com umas quantas camisas rasgadas) e para ganhar apetite para o almoço. Servir um almoço para 1000 pessoas pouco habituadas a este tipo de realizações não é fácil, mas, depois de algumas dificuldades iniciais, tudo entrou nos eixos e foi servido um almoço farto e bem “regado”.
No fim do almoço, o convívio entre os colaboradores ultrapassou os limites da feira de Santarém e espalhou-se pelas suas “tascas”. Nessa tarde havia grupos da Cigar em animada cavaqueira em tudo o que eram cafés e tabernas da cidade.
Quando chegou a hora de regresso aos autocarros, José e os membros da equipa andaram de “tasca em tasca” a empurrar os “cigarianos” para os autocarros. Não foi uma tarefa fácil, mas, pouco a pouco, os autocarros foram enchendo e partindo. Faltava encher o último autocarro para terminar a festa e José e a equipa poderem descontrair e descansar.
Estava à entrada do parque de estacionamento quando o viu aproximar sem pressas e cambaleando. Decidiu apressá-lo e gritou-lhe:
– Ó colega, despache-se. Olhe que o autocarro vai embora sem si.
A resposta, com voz espantada, foi imediata e definitiva.
– Não vai, não, porque eu sou o motorista!
José Bancaleiro
Managing Partner
Stanton Chase International – Your Leadership Partner
[Estória retirada do livro Conta-me Estórias – Storytelling na Gestão de Pessoas de José Bancaleiro e Pedro Ramos]